• Marco Ferrari Sommelier
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Os Monges da Borgonha
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    Os Monges da Borgonha

  • Os Monges da Borgonha

    O vinho da Borgonha deve sua fama e sua qualidade ao trabalho dos Monges Cistercienses.

    Mas por qual motivo o vinho tido como o mais celebre do mundo deve a esses frades sua excepcionalidade é uma história que vamos descobrir agora.

    Na Idade Média, mais de 400 anos antes da descoberta de Cabral, a Ordem Beneditina era a única existente e, por volta do ano de 1098, já tinha quem a considerasse desvirtuada de seu rigor ascético, de acordo com os monges mais radicais os hábitos nos mosteiros já não eram tão rigorosos como na época de sua fundação.

    Foi por esse motivo que na Borgonha houve a dissidência e um grupo de jovens frades, saiu da abadia de Cluny, e se instalou no mosteiro de Citeaux, em plena Cote d’Or, o coração vínico da Borgonha.

    Essa nova Ordem assumiu o nome de Ordem Cisterciense, devido a pronuncia em latim, Cister, da Abadia, eram vulgarmente conhecidos como os monges brancos, pela cor da veste, em pleno contraste com os monges pretos, os Beneditinos.

    A jornada dos Cistercienses previa uma rotina extenuante, sua regra rigorosa pregava a dedicação extrema ao trabalho no campo. Como forma de agradecer a Deus e testemunhar sua grandeza eles exigiam nada menos que a perfeição em tudo que faziam inclusive, ou sobretudo, na viticultura.

    Nisso eles foram agraciados pela fantástica situação geológica e morfológica da Borgonha, uma grande falha geológica no Leste da França, em que um bloco de pedra desmoronou deixando a descoberto um solo estratificado de tal complexidade que sua composição muda em espaço de poucos metros.

    Primeiros a se dar conta dessa rica diversidade, os Cistercienses chegavam ao ponto de provar, de degustar a terra de seus vinhedos para compreender melhor as características e adaptar o cultivo da videira de forma especifica.

    Sem nenhum conhecimento cientifico, como não podia ser diferente no século XII, faziam da necessidade virtude e anotavam meticulosamente o comportamento das uvas em cada safra, criando um acervo de valor inestimável para a viticultura, registrando e catalogando os diferentes vinhedos em parcelas e destacando as melhores que, quando mostravam constância de resultados acima da média eram cercados por muro assim de separá-los das outras áreas.

    Foi assim que nasceram aqueles que até hoje são denominados de Clos, vinhedos de excepcional qualidade cercados por muros de pedra e pertencentes a um único proprietário que, naqueles tempos, era a abadia de Cister.

    A classificação dos diversos 1er Cru e Grand Cru da Cote d’Or se deve à dedicação e ao trabalho meticuloso desses monges que, literalmente, dedicavam sua existência à busca da perfeição do vinho, a expectativa de vida média de um Cisterciense era de cerca de 28 anos.

    Foram eles que selecionaram e adaptaram as atuais castas ao território, exploraram o potencial de uma uva conhecida como Noirien, obscura e menosprezada na Idade Média francesa e fizeram dela uma das mais celebradas da enologia mundial, aquela casta originava o vinho conhecido como o Tinto de Beaune e, só em 1375, começou a ser chamada de Pineau.

    O mais importante legado dos Cistercienses foi ter desenvolvido o conceito de Cru, uma parcela de vinhedo, que, ano após ano, produz um vinho com uma identidade de cor, aroma e sabor que o diferencia dos demais.

    Hoje esse conceito foi redescoberto pela Borgonha em primeiro lugar e pelo resto do mundo como um todo, as técnicas enológicas e os cuidados no campo se voltam para o respeito da vida microbiológica do solo, fazendo com que o vinhedo se alimente dos elementos minerais ali presentes, em vez de adubar em excesso e, na vinícola, as práticas enológicas são cada vez menos ditadas pela tecnologia e mais pelos princípios do respeito ao vinho de forma a nos devolver o verdadeiro sabor da terra sem que, para isso, precisemos degusta-la como faziam os antigos monges brancos nas colinas da Borgonha.