A riqueza do terroir da Itália
Quando se fala que a Itália possui a maior riqueza ampelográfica do mundo vinícola, talvez seja redutivo, para compreender melhor essa riqueza precisamos olhar para diversidade do solo italiano, afinal se trata de uma terra apertada, espremida desde as antigas eras geológicas, entre as cadeias montanhosas dos Alpes ao norte, entre os mares Adriático ao leste e Tirreno ao Oeste, e acompanhada em seu desenrolar em direção à África pela cordilheira dos Apeninos, coluna vertebral da bota italiana.
Entre essas elevações e o litoral, sobra pouco espaço para planície, logo os vales se multiplicam em todo território, os rios e as elevações se sucedem de um lado ao outro dos quatro pontos cardinais.
Isso criou uma nação de hábitos e costumes variados, das centenas de dialetos que vão se modificando vale após vale até transfigurar totalmente a língua falada do Piemonte à Sicília.
Nesse contexto surgiram diferentes modos de interpretar a videira, assim como diferente é a composição do solo e dos vários microclimas.
Talvez mais do que na própria França, proprietária intelectual do termo terroir, na Itália conseguimos compreender o significado dessa expressão.
Vejamos o exemplo do Norte do Piemonte, região que abriga uma denominação bastante conhecida, Gattinara, e outras menos famosas.
Cobrindo uma distância de pouco mais de 20 quilômetros, à esquerda da estrada que liga as cidades de Cossato e Ghemme, surgem seis, repito 6, denominações de origem diferentes, da mais nobre já falamos, Gattinara, vamos às outras.
Bramaterra, região de vinhedos agarrados às íngremes encostas de pórfiro, areia amarela, argila e pedras onde a Spanna, não a chamem de Nebbiolo, não aqui, manda e desmanda. Antigamente centenas de hectares eram cultivado a vinhedo, hoje a juventude deixou os vilarejos do interior e apenas restam pouco mais de 20 hectares cultivados com Spanna (cerca de 80% no assemblage), Vespolina, Uva Rara e Croatina. Um vinho que precisa envelhecer um mínimo de 24 meses, 36 o Riserva, para demonstrar toda sua elegância e riqueza.
Bem ao lado, nos morros logo a oeste, sai o pórfiro e entram os solos arenoso e franco-argiloso de Lessona, outra denominação, menor ainda, cerca de 15 hectares, onde o vinho segue aproximadamente a mesma composição do Bramaterra, embora a porcentagem de Spanna seja maior, o envelhecimento é quase o mesmo, mas o vinho, bem, parece difícil de acreditar, mas é muito diferente, o Bramaterra cativa com a elegância, o Lessona com a potencia e o impacto de seus taninos. O que a diferença de solo não faz.
Cerca de 10 quilômetros de bosques separam essas duas denominações de Gattinara, outra região e outro solo, aqui um antigo vulcão tombou e deixou uma serie de morros a composição granítica, solos pobres em calcário, que conferem à Spanna daqui uma elegância invejada mesmo nas badaladas, e distantes, Langas de Barolo e Barbaresco.
Longevidade, finesse e persistência gustativa impressionante, fazem do Gattinara o vinho mais próximo do grande Pinot Noir da Cotes de Nuit, de todos os exemplares da casta Nebbiolo, minha opinião pessoal.
Passamos o rio Sesia e estamos em Ghemme, a distancia é ínfima, a largura do rio, justamente, as uvas são as mesmas mas o vinho é outro, o solo é argiloso e calcário, o resultado é um vinho mais gordo, potente e talvez um pouco mais rustico, os vinhedos todos ficam na margem esquerda do Sesia, seguindo um morro de origem glacial que vai descendo gradativamente ao longo de cerca de 8 quilômetros, até chegar às duas últimas denominações, Sizzano e Fara, que não somam 15 hectares as duas juntas, aqui o terreno é mais plano e, segundo a antiga sabedoria vitícola italiana, vinho bom é vinho de encosta, logo essas são as menos celebradas das denominações existentes nesse pequeno rincão de terra piemontesa.