Os aplicativos do vinho, faz alguns anos viraram uma verdadeira febre, os consumidores de vinho, sobretudo se iniciantes, consultam seu celular inevitavelmente toda vez que precisam escolher que vinho levar.
Sem dúvida que esses aplicativos, um em especial, o Vivino, o mais famoso e mais acessado pelos adeptos do vinho no Brasil, vieram para somar com o trabalho incansável dos profissionais do setor, sejam estes ligados ao canal on trade ou ao off trade.
Sim, porque o Vivino virou fonte de consulta não apenas na hora da compra em supermercado ou loja, mas também para decidir o vinho para harmonizar o pedido no restaurante, o sommelier da casa que se conforme, direito do consumidor, pois sim.
Algo como 500 mil rótulos de vinho e 15 mil vinícolas presentes no Vivinho, é de deixar qualquer um de queixo caído, como não admirar uma bíblia dessa?
Não resta dúvida que para o público iniciante um aplicativo assim é uma verdadeira “mão na roda”, além de fornecer dicas de consumo rápidas, na velocidade de uma foto, ainda harmoniza o vinho e dá pitaco sobre o preço para saber se o consumidor está sendo explorado ou não pelo estabelecimento onde está fazendo a compra, um verdadeiro sommelier de bolso, dispensando o de carne e osso que está trabalhando no local (quando tem um).
Penso sinceramente que o Vivino tenha se tornado uma ferramenta importante quando se trata de incrementar o consumo do vinho, chama a atenção e estimula o consumidor a ir além da compra.
As informações sobre o vinho que aparecem na tela além do preço, como, por exemplo, o nome do produtor, a origem do vinho e outros detalhes, despertam no consumidor a vontade de conhecer mais e de se aprofundar na cultura do vinho, acredito que esse tenha sido o motivo inspirador dos desenvolvedores na época que conceberam o aplicativo,
Agora, sinceramente, como em todas as coisas, existem certos exageros, diria até de falta de educação, na forma de usar o aplicativo.
Eu já presenciei e, como eu, tenho certeza que muitos outros profissionais do vinho também presenciaram, uso abusivo do instrumento por parte de clientes que esquecem o espirito agregador do aplicativo e tomam as notas e as referências de preço como valores absolutos, únicos digno de serem levados em conta na escolha, desprezando os conselhos e argumentos do sommelier, repelindo-os aliás, como se fossem desculpas ou, o que acho pior, queixo de vendedor.
Precisam estes enófilos lembrar que o Vivino é uma plataforma que surge a partir dos comentários de seus usuários, as notas produzidas pelo aplicativo não são notas técnicas embasadas nos critérios objetivos de qualidade utilizados normalmente nos concursos de vinhos ou nas degustações internacionais com ficha pontuada, o Vivino não recolhe opiniões de críticos, não faz uma média entre elas nem tampouco redige uma classificação por pontos resultante da média de notas de concursos oficiais aos quais certo vinho tenha participado.
Pelo contrário, o critério é o da preferência do consumidor, isso mesmo, na base do “gostei” ou “não gostei”, opinião pessoal, subjetiva e soberana, para ser não discutida e sim respeitada, mas que tampouco pode ser considerada para além do que vale, ou seja um juízo de valor relativo ao indivíduo e de escassa utilidade para comunidade, por ser embasada em critérios pessoais, explico melhor a seguir.
Existe uma clara tendência de consumo no mundo do vinho, testada em décadas de experiência internacional a qual reza que, de modo geral, os consumidores iniciantes, tendem a preferir vinhos perfumados, de boa estrutura, frutados e macios.
Caso esse seja o perfil dominante entre a comunidade dos que interagem com o aplicativo, é possível estabelecer, com razoável grau de aproximação, que eles apresentem uma certa uniformidade de preferencias, ditadas pelas tendências consolidadas que expliquei no parágrafo acima.
Assim, teremos que, hipoteticamente, a tendência será conferir notas mais elevadas para os que apresentem esse perfil de vinho macio e frutado, logo a nota vai representar uma espécie de indicação ao estilo “Maria vai com as outras”, algo que pode até ser de alguma ajuda para quem move os primeiros passos no mundo do vinho mas que, inevitavelmente, direciona as preferencias para uma determinada categoria de vinho em detrimento de outras tão boas quantos, quando não melhores (mas aí já estamos enveredando pelo caminho da subjetividade de novo).
Em suma o aplicativo pode servir para acender uma luzinha no túnel desconhecido dos vinhos para quem ainda não aprendeu a enxergar no escuro, mas não pode ser levada em consideração como uma verdade absoluta.
O empoderamento de nossa capacidade de escolha se dará quando o desenvolvimento de nosso senso crítico nos permitirá selecionar o vinho de acordo com a ocasião e baseados em nossa experiência, sobretudo, diria eu, quando guiados pela vontade de experimentar sempre o novo, o diferente.
O mundo do vinho é tão vasto que limitarmos aos mesmos rótulos de sempre, ou à opinião alheia, é cruel e nos privaria de experiências e descobertas muito interessantes e prazerosas.
O vinho é prazer, um prazer individual a ser compartilhado, a experiência de seu consumo é um momento sensorial que envolve e estimula todo nosso ser no momento da degustação, tal qual admirar uma obra de arte, tanto quanto ou mais que apreciar uma boa música, a degustação de um bom vinho ocupa e satisfaz nossos sentidos.
As nossas experiencias, sobretudo as mais prazerosas como uma taça de vinho, nos pertencem de tal forma que vale sempre a pena dividir com quem amamos, o ser humano busca compartilhar para eternizar prazeres, não podemos tirar isso do nosso livre arbítrio e entregá-lo a opiniões de maiorias cibernéticas.
Embora seja justo ouvir o conselho de profissionais especialistas na hora da escolha, a decisão sobre as experiencias que decidimos viver deve pertencer somente a nós, estudamos então para conhecer cada vez mais e aprendamos a aproveitar ao máximo o que o mundo do vinho está pronto para nos oferecer.